Rastreamento do câncer do colo do útero: análise de dados demográficos e de tendências temporais em um estado da região norte do Brasil

Abstract

Introdução: câncer do colo do útero (CCU) permanece um importante problema de saúde pública no Brasil, especialmente na região Norte, que apresenta as maiores taxas de incidência e mortalidade do país. Este estudo tem como objetivo analisar dados demográficos e tendências temporais relacionadas ao rastreamento do CCU no estado do Acre, entre 2007 e 2024. Materiais e métodos: estudo ecológico de série temporal, com análise de dados secundários extraídos das bases de dados Siscan e Siscolo, disponíveis no Departamento de Informação e Informática do SUS (DATASUS), bem como dados do Atlas de Mortalidade do INCA, entre 2007 e 2024. Foram avaliados indicadores relacionados aos exames citopatológicos, taxas de mortalidade por CCU e tendências temporais realizadas por regressão Joinpoint. Resultados: observou-se tendência de queda significativa no número total de exames realizados (APC = -2,27%, p=0,032) no período, com aumento da proporção de exames realizados na população-alvo, atingindo 86,8% em 2024. No entanto, houve tendência de queda na cobertura da população-alvo até 2021 (APC = -7,54%, p=0,046), seguida de tendência não significativa de aumento até 2024, resultando em uma cobertura média anual da população-alvo de 19,7%. A adequabilidade das amostras foi elevada, com média de 97,9% de amostras satisfatórias e tendência de aumento significativo. A frequência de exames com alterações potencialmente precursoras aumentou (APC = 3,4%, p=0,0168), predominando entre mulheres da faixa etária-alvo. A mortalidade por CCU apresentou crescimento, com taxa padronizada de 20,33 por 100.000 mulheres em 2023, especialmente elevada em mulheres com idade acima de 65 anos. Discussão: a queda no número total de exames (corroborada por observações em dados secundários de outra fonte, a Vigitel) pode comprometer a efetividade do rastreamento do CCU. O aumento da proporção dos exames que é direcionada a população alvo indica esforços para concentrá-lo na faixa etária ideal, no entanto, insuficientes, visto tendência de queda na cobertura dessa população. A pandemia de COVID-19 pode ter aprofundado o problema, mas não o explica em sua totalidade, já que as tendências de queda se desenvolvem desde 2007. A elevada qualidade das amostras coletadas indica adequada capacitação local, que somada a agilidade para entrega de resultados, acima do padrão da região Norte, demonstra uma rede de saúde organizada, capaz de evidenciar um aumento no número de alterações citopatológicas potencialmente relacionas com lesões precursoras na região. Apesar desses esforços, há aumento progressivo da mortalidade por CCU no Acre, em discrepância ao observado na região Norte. Conclusão: o estado do Acre enfrenta desafios importantes no rastreamento do CCU, com baixa cobertura da população-alvo e aumento da mortalidade, apesar da boa qualidade das amostras e maior direcionamento dos exames ao grupo prioritário. Estratégias específicas são necessárias para ampliação do acesso e efetividade do rastreamento, especialmente diante das desigualdades sociodemográficas e do impacto da pandemia de COVID19 sobre os serviços de saúde.